Ela já nasceu moderna, avançada e rebelde; ditou modas, contribuiu para a mudança de comportamento de mais de uma geração, e sempre contestou o Natal – claro.

Criou os filhos sem presentes, árvores ou Papai Noel: “Natal é todo dia” , “para dar presente não é preciso data’, “virou uma festa comercial” etc. Junto à ideologia, a canseira de fazer a lista, entrar nos shoppings, a pouca grana, a falta de tempo e, sobretudo, a preguiça.

Tinha a convicção de estar fazendo o certo, e ir ao cinema na noite de 24 e depois passar numa lanchonete era uma das formas de contestar a ordem estabelecida, sua maneira de tentar transformar o mundo. O “não compro presente para ninguém” era a senha que a separava dos caretas. Não se arrepende, mas hoje se questiona. Valeu mesmo?

Tudo o que fez foi normal- afinal, cada geração têm por obrigação contestar a anterior. Por isso, quando seus filhos cresceram e tiveram seus próprios filhos, todos os anos armaram uma árvore cheia de luzinhas, compraram montes de presentes, se vestiram de Papai Noel e fizeram uma festança. Na mesa, tudo o que há de mais tradicional: peru, tender enfeitado de frutas, avelãs, amêndoas etc. E castanhas, claro.

A empregada, o porteiro, os filhos do porteiro, o lavador de carro, todo mundo ganhava uma lembrancinha, menos ela. Claro, passou a vida inteira dizendo que tinha horror, que era um favor que não comprassem nada, assim não seria obrigada a comprar também. E mais: nem era chamada para a festa. Claro, teria sido muito bem recebida se fosse, mas por um certo respeito não forçavam. E quem teria a coragem de convidar aquela mulher tão decidida, tão resolvida, tão pouco chegada às convenções, para uma ceia de Natal? Ninguém, é claro.

Nas muitas noites que passou sozinha, ela pensou: “Será que fiz o mais certo?” Claro, se livrou de um monte de pequenos aborrecimentos, de estar numa sala cheia de crianças, parentes que mal conhece, no calor, fingindo estar alegre e feliz. Ao fundo, e para completar, Xuxa e jingle bells; demais, para uma pessoa consciente. Mas não é assim que é a vida? Sozinha contra o mundo, e daí? Nunca encontrou a resposta.

Como sempre se orgulhou de não fazer concessões, ficava sozinha, e bem feliz. Se vestia como se fosse a uma festa, acendia todas as luzes da casa e tomava champanhe; esse ano, ainda tinha o show de Chico na TV, tudo que podia querer na vida.

Mas pensava: “Como dá trabalho contestar, quebrar as convenções, desafiar as tradições. Dá trabalho e tem um preço, como tudo: no caso, estar sozinha, totalmente sozinha, nesta famosa noite feita para celebrar o amor universal. Não teria sido mais fácil fazer como todo mundo?”

Talvez, talvez. Mas isso implicaria em fingir, se violentar, basicamente mentir, coisa que ela não sabe fazer. Lamenta, ah, lamenta; mas não é culpa sua se não consegue fazer o jogo. Suspira, e se sente ridícula, toda vestida, de salto alto e brincos, sozinha dentro de casa.

Mas segura. Se puser na balança, está exatamente onde quer, com quem quer, isto é: sozinha – mas inteira, o que não é pouco. Pelo menos não perturba a vida de ninguém (tenta, pelo menos).

Sobretudo não reclama. E ainda tem Chico. Está tudo certo, vai ter um feliz Natal; o mais feliz possível – à sua moda.

Texto de Danuza Leão

Sabrina NunesBlogdanuza leão,natal
Ela já nasceu moderna, avançada e rebelde; ditou modas, contribuiu para a mudança de comportamento de mais de uma geração, e sempre contestou o Natal - claro. Criou os filhos sem presentes, árvores ou Papai Noel: 'Natal é todo dia' , 'para dar presente não é preciso data', 'virou uma...